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Declaração e respostas a perguntas dos massa media do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, após a reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros do G20, Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2024

Caros Colegas,

Tenho o grande prazer de saudá-los.

Estamos a concluir os nossos trabalhos na reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros do G20.

Gostaria de destacar o trabalho ativo e útil da presidência brasileira, as excelentes condições e a cordialidade de que todos nós fomos alvo. Isto ajuda a entabular um diálogo prático sem que alguém tente utilizá-lo no seu interesse egoísta e mesquinho. No final de contas, o G20 foi concebido para procurar abordagens coletivas para a solução de problemas reais e candentes da economia mundial.

É evidente que a situação atual da economia mundial está a ser muito distorcida pelos métodos utilizados pelo Ocidente para punir aqueles que não obedecem às suas "regras" neocolonialistas e para eliminar os concorrentes. Trata-se de sanções e apreensões ilegais com o objetivo de confiscar a propriedade alheia, chantagem, bloqueios comerciais e muito mais. Isto causa a deformação dos fundamentos básicos da economia mundial e dificulta a concretização das perspectivas em que todos os países do mundo estão interessados, bem como das oportunidades reais que o Ocidente está agora a impedir de se materializar, praticando uma política interesseira e mesquinha.

Ultimamente, tem-se debatido se o G20 deve abordar questões geopolíticas. A presidência brasileira, penso eu, encontrou o ângulo certo de visão sobre a relação entre a geopolítica e a economia, exatamente no contexto que mencionei, para ver como as tendências e as ações geopolíticas (em primeiro lugar, isto diz respeito ao "grupo ocidental") impactam as perspectivas de crescimento normal da economia mundial no interesse de todos os países e impedem o desenvolvimento de projetos económicos mutuamente benéficos.

Foi neste sentido que o projeto de ordem de trabalhos foi formulado na nossa reunião de ontem. Analisámo-lo em pormenor. Os países em desenvolvimento acentuaram muito a necessidade de impedir que as tentativas de alcançar objetivos geopolíticos reduzam artificialmente as oportunidades. Na sua maioria, estes objetivos não têm nada a ver com o direito internacional e destinam-se a defender os interesses de apenas um grupo restrito de países. As tentativas de alguns dos nossos colegas ocidentais nas reuniões ministeriais do G-20 de desviar a discussão desta questão fundamental para a do o apoio ao regime de Kiev, de fazer acusações infundadas contra a Federação da Rússia e de ucranianizar por todos os meios a ordem de trabalhos não foram apoiadas pelos países em desenvolvimento e pela maioria dos países do Sul Global. O debate aqui realizado é uma prova disso.

A segunda questão que está intimamente ligada a esta e que abordámos no segundo dia da reunião ministerial é a reforma das instituições mundiais. Esta questão remonta no tempo, sendo discutida no G-20 há cerca de 20 anos.

Lembrei-me hoje que, em 2010, foi aprovado o comunicado do G20, que proclamava solenemente o objetivo de aumentar o papel e o peso dos países em desenvolvimento nas instituições de governação global, ou seja, no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial, na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico e na Organização Mundial do Comércio. Passaram-se catorze anos.

Recordei também a resolução do ano passado, quando a Cimeira do G20 em Nova Deli, em setembro de 2023, voltou a adotar um texto semelhante em que todo o G20 declarou unanimemente a necessidade de reformar as instituições mundiais, a fim de aumentar o papel dos países em desenvolvimento nas mesmas, de acordo com o peso real das suas economias.

É sabido que os Estados Unidos bloqueiam há muitos anos a reforma do sistema de contribuições e quotas no Fundo Monetário Internacional, tentando manter artificialmente, contrariamente aos indicadores objetivos de crescimento económico (em que já estão muito atrás da China), o seu poder de bloqueio, estando, porém, na minoria. Não querem partilhar as percentagens de voto detidas ilegalmente e desejam dirigir sozinhos este organismo internacional. Hoje, todos se pronunciaram a favor de que as promessas solenes estipuladas nos documentos do G20 sejam, no entanto, levadas à prática. Apoiaremos ativamente os países do Sul Global nesta questão.

Na nossa intervenção, salientámos que, para além das instituições de Bretton Woods, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio, estão a desenvolver-se novos centros, associações da Maioria Mundial em várias regiões do mundo. Na nossa região euro-asiática, são elas a OCX, a ASEAN e a UEE. Estão a estabelecer contactos entre si no contexto da iniciativa do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, de criar uma Grande Parceria Eurasiática aberta a todos os países do continente, sem exceção. Em África, são elas a União Africana e muitas estruturas sub-regionais. No Médio Oriente e no Norte de África, a Liga Árabe (já mencionei a ASEAN). Na América Latina, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e das Caraíbas.

Todos estes organismos têm uma contribuição a dar e devem ser ouvidas no contexto da reforma da governação das instituições mundiais. A União Africana aderiu ao G-20. Pensamos que seria justo que as respectivas organizações pan-regionais relevantes da Ásia e da América Latina seguissem esse exemplo para representar os seus continentes e as suas regiões do Sul Global e do Leste Global.

Em relação à reforma das estruturas de governação global, muitos participantes levantaram a questão da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Expusemos a nossa posição, segundo a qual o Conselho de Segurança precisa de ser reformado de modo a acabar com a principal injustiça: a sub-representação dos países em desenvolvimento.

Atualmente, seis dos quinze membros do Conselho de Segurança da ONU são aliados dos EUA e atuam, praticamente todos eles, a partir de posições que lhes são impostas por Washington. Por isso, quando procedermos à solução prática da questão de alargar o Conselho de Segurança da ONU, apoiaremos exclusivamente os representantes da Ásia, da África e da América Latina. A mesma posição é assumida por muitos outros países que compreendem que é inaceitável que a representação dos países ocidentais não só se mantenha como também se alargue, pois isso seria desproporcional à sua contribuição real para a política mundial.

Repito que toda a política ocidental é determinada por Washington, cabendo a todos os outros cumpri-la obedientemente. Podemos vê-lo nas mais diversas vertentes.

Esperamos que a Cimeira do Rio de Janeiro, prevista para os dias 18 e 19 de novembro próximo, seja realizada em conformidade com as normas básicas do direito internacional, entre as quais o respeito pela soberania nacional de todos os países membros do G20.

Pergunta: Ao assumir a presidência do G20, o Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que o grupo foi concebido para discutir questões económicas e não geopolíticas. Foi possível manter este modelo?

Serguei Lavrov: Todos se apercebem cada vez mais que os jogos geopolíticos e as aventuras do Ocidente estão a ter um impacto negativo na economia global, distorcendo os processos objetivos que estão a tomar forma em várias regiões e que exigem esforços conjuntos e a remoção de barreiras.

Em contrapeso, os EUA e os seus satélites, representados pelo Ocidente "coletivo", estão a construir barreiras, criando dificuldades às cadeias logísticas e financeiras naturais, encarecendo a produção, os serviços e os bens que os países em desenvolvimento recebem e que são necessários ao seu desenvolvimento.

Creio que os nossos amigos brasileiros encontraram o "ângulo de ataque" certo sobre este tema, encarando as questões geopolíticas do ponto de vista do seu impacto direto na economia, nas finanças e nas relações comerciais internacionais, o que constitui as competências, o mandato do G20. É cada vez mais difícil cumpri-lo porque os indicadores e as tendências económicas são artificialmente distorcidos pelo Ocidente. Este foi um ponto da agenda útil e corretamente formulado. Penso que a próxima cimeira vai continuar a discutir este tema.

Pergunta: O jornal brasileiro "Valor Econômico" informou que o senhor pode ter a sua reunião com o Presidente brasileiro, Lula da Silva, cancelada devido à falta de garantias de reabastecimento do seu avião porque o distribuidor receia sanções. Tem algum comentário sobre isso? Haverá um encontro com o Presidente? Como é que o senhor vai chegar a Brasília?

Serguei Lavrov: Não quero comentar em pormenor o problema do reabastecimento dos aviões dos visitantes estrangeiros, que os nossos anfitriões brasileiros estão a enfrentar. Foi deste modo que as coisas se alinharam. Este é um bom exemplo para compreender como a geopolítica afeta não só a economia, mas também as relações interestatais normais.

O Brasil não tem praticamente empresas que reabasteçam aviões e que não pertençam a corporações ocidentais. Gostaria de louvar os nossos parceiros brasileiros por ter feito os possíveis para resolver esta questão. Esta reunião terá lugar hoje.

Pergunta: A anterior Cimeira do G20 em Nova Deli teve relevância especial por não ter incluído no seu documento final as disposições em condenação à Rússia, apesar da pressão ocidental. Mencionou este facto na sua intervenção inicial. Gostaria de perguntar não tanto sobre o facto como sobre se existe uma tendência. Ao fim de meses, vê algum reforço na tendência para a autonomia dos países terceiros ou os EUA estão a tomar a desforra e a aumentar a pressão?

Serguei Lavrov: Não tenho dúvida de que estão a aumentar a pressão. E estará isso a ajuda-los a tirar desforra? Não sei. Em princípio, não gostaria de fazer declarações do tipo: "alguém perdeu", "alguém ganhou", "o perdedor tira desforra", e assim por diante. É um círculo vicioso. Os Estados Unidos não tiram, infelizmente, conclusões corretas, continuando a acreditar que existem "regras" que satisfazem os seus caprichos, que ninguém viu.

Hoje, os EUA querem invocar o princípio da integridade territorial, como fizeram quando não aceitaram a decisão do povo ucraniano, dos russos que viviam na Crimeia e no Donbass. Anteriormente, haviam insistido no princípio da autodeterminação dos povos quando reconheceram a independência do Kosovo que fora proclamada de forma unilateral e ilegal sem qualquer referendo. Assim são as suas "regras".

A nossa reunião no Rio de Janeiro foi precedida da Conferência de Segurança de Munique. Deixámos de participar neste evento há muito tempo, porque, nos últimos anos, degenerou numa reunião reservada onde o Ocidente se empenha em convencer-se a si próprio de que tem sempre razão e que assim será para sempre.

Acompanhei a cobertura dada por alguns dos meios de comunicação social ao evento. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que eles não deveriam, de forma alguma, dividir o mundo em blocos separados. Parece ter sido uma boa ideia. No entanto, prosseguiu dizendo sem qualquer pausa que iriam cooperar, em primeiro lugar, com as democracias. Portanto, segundo ele, há outros "blocos". A coisa mais espetacular foi a sua afirmação de que todos os países "têm uma escolha: estar à mesa do sistema internacional ou estar na ementa". É esta a atitude do responsável pela política externa dos EUA para com aqueles que discordam deles. Só gostava que, com um apetite tão grande, os nossos colegas norte-americanos não se engasgassem à sua mesa "democrática".

Todos nós deveríamos compreender que é necessário tomar consciência de que as ações constantes para fazer escalar os confrontos e punir os culpados indicados pelos norte-americanos não têm sentido. Eles assumem simultaneamente as funções de acusador-procurador, de juiz e de executor, ou seja, acontece que os três personagens são encarnadas por um só ator. A histeria sobre a morte de Aleksei Navalni é uma prova eloquente disso. Não quero sequer comentar detalhadamente este assunto.

Esta gente não tem o direito de interferir nos nossos assuntos internos, até porque eles próprios têm uma "trave nos olhos" com Julian Assange, Gonzalo Lira, que morreu de tortura numa prisão ucraniana. Nem os norte-americanos, nem quaisquer outras figuras ocidentais comentaram sequer este facto. Isso me leva novamente a crer que tudo é permitido aos os nazis. Isto é muito sério.

Quanto às declarações do tipo "exigimos investigações abertas e independentes". É uma vergonha. Exigimos, em tempos,  investigações não porque algo tivesse acontecido a um cidadão deste ou daquele país. Embora também devessem ter-se preocupado com isso. Quando os nossos bens  (os gasodutos Nord Streams) foram destruídos, o que foi que eles nos disseram? Disseram-nos que não haveria nenhuma investigação internacional. Disseram-nos que eles próprios resolveriam o assunto. Assiste-se à diferença de atitudes, é nisso que reside o neocolonialismo, que estamos a combater e que iremos combater de forma ainda mais aguerrida.

E sobre Aleksei Navalni. Ninguém sabe o que lhe foi feito em território alemão. Recorde-se que ele passou mal no avião. O avião aterrou imediatamente. Uma ambulância já lá estava à sua espera. Os médicos de Omsk começaram a prestar-lhe toda a assistência necessária. No entanto, os alemães solicitados pela sua mulher  pediram para o vir buscar com urgência. Tudo isto foi feito durante uns dois dias. Navalni acabou por ficar na Alemanha. Os médicos do hospital civil não encontraram nele nada daquilo de que  éramos acusados. Foi transferido para uma clínica da Bundeswehr cujos médicos detectaram no seu corpo um tal Novichok. Pedimos à Alemanha para ver os resultados das análises. Disseram-nos que isso não era da nossa conta. Acusaram-nos de o termos envenenado, mas disseram-nos que não nos iriam mostrar as suas análises e que as iriam entregar à Organização para a Proibição de Armas Químicas. Nós "fomos" até lá. Disseram-nos que as  análises de Navalni lhes tinham sido entregues, mas que não podiam ser mostradas a ninguém. O círculo fechou-se.

Depois disso, essa gente ainda está a tentar acusar-nos de falta de transparência? Penso que isso é simplesmente desonesto e inescrupuloso. Mais do que isso, toda esta "epopeia" aconteceu numa altura em que os alemães se recusaram a mostrar-nos uma análise de sangue da pessoa que nos acusaram de envenenar. Foram tão arrogantes connosco que isso nos levou a recordar-nos de alguma coisa. Essa caraterística está a ressurgir neles.

Pergunta: À margem do G20, teve a oportunidade de se reunir com ministros de vários países da América Latina. Pode dizer-nos o que é que conversou com eles? Quais são as nossas relações com a região em geral e se a comunicação com a Argentina sob Javier Milei mudou, especialmente depois de ele ter decidido não aderir aos BRICS?

Serguei Lavrov: Após cada reunião, não só com ministros latino-americanos, mas também com ministros de outros países, entre os quais a África do Sul, a Turquia e o Egito, emitimos comunicados de imprensa em que especificamos os tópicos abordados.

A questão é que as reuniões à margem de grandes fóruns internacionais são curtas e não permitem abordar toda a gama de questões. Todavia, cada país tem as suas prioridades que podem ser tratadas "num curto espaço de tempo". Discutimos com os países latino-americanos a sua participação no G20, no BRICS (em especial, discutimos este assunto em pormenor com o meu colega brasileiro) e a nossa articulação nos fóruns multilaterais da ONU.

No que respeita à América Latina, mantemos relações com a CELAC, com o grupo ALBA, com o Sistema de Integração Centro-Americana, com uma série de associações de Estados das Caraíbas e outros organismos. Durante a pandemia de coronavírus, as reuniões regulares a nível ministerial entre a Rússia e a CELAC foram suspensas. Agora o Brasil, os nossos colegas do Paraguai (também me encontrei com ele ontem, ele é o meu bom e velho amigo), a Venezuela e Cuba manifestaram-se desejosos de que estes encontros sejam retomados.

Discutimos algumas questões relativas às relações comerciais e económicas. Como já referi, estas reuniões são normalmente dedicadas a questões de carácter geral. De qualquer maneira, tudo isso foi muito proveitoso.

Pergunta: Na sua recente entrevista a Tucker Carlson, o Presidente Vladimir Putin sublinhou várias vezes que a Rússia nunca desistiu de negociar sobre a Ucrânia. O senhor também pôs várias vezes a tónica neste tema. Agora que Avdeevka foi tomada, notou algum sinal das delegações dos EUA, do Reino Unido ou dos países da UE no sentido de eles estarem finalmente prontos para iniciar um diálogo construtivo? Teve algum contacto com os anglo-saxões à margem da reunião?

Serguei Lavrov: Não. Não andei à procura de contatos. Aparentemente, eles estavam a cumprir o seu acordo de evitar contactos com a nossa delegação de todas as formas possíveis. Que cozinhem no seu próprio caldo. Estão a fazê-lo há muito tempo. Isso não levou nem levará a nada de bom do ponto de vista dos seus interesses.

Houve declarações antirrussas truculentas. Os Ministros dos Negócios Estrangeiros britânico e alemão foram especialmente duros. "Despejaram" um monte de acusações contra nós, citando exemplos terríveis, segundo os quais teríamos raptado crianças na Ucrânia, lhes teríamos tirado nomes e apelidos para lhes dar outros nomes para que nunca fossem identificadas, emitindo-lhes novas certidões de nascimento e distribuindo-as por famílias onde elas estariam a ser submetidas a violência e outras coisas más.

Esta manhã assisti a um programa da CNN dedicado ao aniversário (no seu entender) do início da nossa operação militar especial a que dão, naturalmente, nomes como "agressão", "invasão" (e outros do género). No programa, uma senhora, que tinha regressado de uma viagem à  Ucrânia, disse que eles, peritos, jornalistas estrangeiros, "ouvem muitas vezes dizer" que, na Ucrânia, crianças e mulheres são raptadas e violadas enquanto homens são castrados. Disse que "ouviram dizer". Provavelmente, muita gente "ouve" disparates e mentiras divulgadas diariamente pela propaganda ucraniana e tidas como verdade pelos nossos colegas ocidentais.

No entanto, "ouvir" é uma coisa. Por exemplo, prisioneiros de guerra russos, de olhos vendados e com as mãos e os pés atados, foram mortos com um tiro na cabeça pela "Legião Nacional Georgiana" das forças armadas ucranianas. A execução foi filmada pelos executores e não pelos jornalistas. Depois, publicaram este vídeo na Internet. Alguém se  "pronunciou a este respeito? Ninguém. Infelizmente, o desejo de fomentar a russofobia e a arrogância são incuráveis. Atualmente, esta arrogância é particularmente evidente nos alemães (os britânicos sempre a tiveram) e não tende a desaparecer.

Como é que podemos falar de negociações nesta situação? Não estamos apenas a falar das negociações, estamos prontos para elas. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, recordou os acordos alcançados há dois anos. Este facto foi também confirmado pelo negociador principal da Ucrânia, David Arahamia, que preside a fação do partido "Servo do Povo" no parlamento ucraniano. Ele não é um funcionário de baixo escalão na Ucrânia, ele é um companheiro de equipa do Presidente Volodimir  Zelenski. Segundo ele, os políticos ocidentais, entre os quais o ex-primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, proibiram-no de concluir um tratado de paz e disseram-lhe que a Ucrânia deveria continuar a lutar.

O Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, visitou Brasília antes de chegar ao Rio de Janeiro, onde foi recebido pelo Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Após a reunião com o Presidente brasileiro, Antony Blinken disse não ver quaisquer condições para o início das negociações. Eis a resposta. Vocês ouviram o que estamos a dizer. Há dois anos, em Istambul, a Rússia confirmou as suas palavras com atos. Que os nossos "colegas" ocidentais expliquem o motivo por que não querem, de jeito nenhum, falar a sério sobre os problemas reais por eles criados na Ucrânia. Em primeiro lugar, trata-se do regime nazi, que proclamou como seu objetivo exterminar tudo o que é russo. Estamos sempre a entregar uma "coletânea" de declarações de funcionários ucranianos aos nossos colegas quando nos avistamos.

Em vez de negociações sérias, o Ocidente está a criar um "grupo restrito" em torno da "fórmula de paz" de Volodimir Zelenski. O seu objetivo é o mesmo. De acordo com as informações que temos, a União Europeia, os britânicos e outros "conselheiros" e "assessores" estão a orientar o regime de Kiev sobre como promover esta "fórmula". A principal recomendação é que o regime de Kiev não adote nenhuns documentos  finais nestas reuniões e tente atrair o maior número possível de países para estas "assembleias" (a última teve lugar em Davos). Os países em desenvolvimento participam nestas "assembleias" "pela bondade dos seus corações", na esperança de se juntarem a um diálogo construtivo.

O Ocidente nunca apoiará a adoção de um documento que seja aceitável para os oitenta Estados membros que se opõem à política antirrussa. As "instruções" dadas pelos europeus aos ucranianos dizem: não promovam projetos "no papel", convidem o maior número possível de países, dizendo-lhes que será "apenas uma conversa" e não se esqueçam de tirar uma fotografia de "família". O mais importante é fazer com que nestas fotografias apareça o maior número possível de pessoas, pois este será o principal resultado dos esforços da Ucrânia. Não importa como atraíram para lá representantes de países em desenvolvimento. É a isso que se resume a sua "diplomacia". A Rússia já expôs a sua posição sobre o processo de negociação, somos pessoas de palavra. Não vemos que o Ocidente tenha a mesma atitude.

Pergunta: No outro dia, o Presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia estava pronta para estabelecer contactos com os Estados Unidos sobre questões da estabilidade estratégica. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está a preparar terreno para estes contactos? Em caso afirmativo, é provável que estes contactos se realizem num futuro próximo e qual serão seu nível?

Serguei Lavrov: Não recebemos propostas sérias da parte norte-americana. Os norte-americanos pronunciaram-se no sentido de considerarem errada a nossa decisão de suspender o Tratado START, pelo que sugeriram o reinício das inspeções. Disseram-nos que desejavam vir e ver em que condições se encontravam as nossas instalações estratégicas. Não é assim que as coisas funcionam. Claro que querem ver as nossas instalações. No entanto, os EUA deixam de lado o facto de este tratado, que prevê inspeções mútuas, entre outras coisas, se ter baseado  na confiança, no respeito mútuo e numa cooperação transparente e amigável. Omitem este aspecto. É impossível restabelecer a confiança numa altura em que a Rússia foi declarada abertamente um Estado hostil, uma ameaça que deve ser eliminada, um país a que se deve infligir uma "derrota estratégica".

O Presidente Vladimir Putin referiu que estamos abertos a um diálogo sobre a estabilidade estratégica, devendo, porém, todos os aspectos que a afectam, sem exceção, ser levados em conta. Aos aspectos que existiam anteriormente, acrescentaram-se a política agressiva e hostil dos EUA para a Rússia, as suas ações políticas e práticas: os ucranianos não poderiam lutar sem as armas e os formadores militares, sem os orientadores do fogo da artilharia, sem as informações provenientes de satélites e de outras fontes dos EUA. O facto é que os norte-americanos estão a travar uma guerra híbrida e direta contra nós.

Estamos sempre prontos a negociar. Nunca desistimos de nada. No entanto, há que compreender que a conversa deve ser honesta e não aquela a que os EUA estão habituados.

Muitos dos nossos colegas da Maioria Mundial contam-nos, em conversas de confiança, sobre como os norte-americanos os pressionam a aderir às sanções antirrussas e o que ameaçam fazer. Isso gera uma conclusão interessante sobre a diplomacia norte-americana e aquilo a que ela se resume atualmente. Por exemplo, os norte-americanos querem obrigar um país a tomar medidas contra a Rússia ou a China. Reúnem-se com os seus representantes para lhes explicar que tipo de medidas o seu país deve tomar. No entanto, o país abordado pelos norte-americanos diz que não gosta desta ideia e pergunta aos EUA o que lhe acontecerá se ele se recusar a fazê-lo. Os norte-americanos dizem-lhe que, se não o fizer, será castigado,  ficará sob sanções e será colocado numa lista especial. Quando o país abordado lhes pergunta o que lhe vai acontecer se cumprir as instruções dos norte-americanos, estes respondem que não o vão castigar. Esta é a troca "equivalente" oferecida pelos norte-americanos.

Pergunta: Joe Biden prometeu que Washington iria impor um grande pacote de sanções contra a Rússia a 23 de fevereiro. As restrições já foram aprovadas. Hoje foi publicada a lista de novas sanções. E como vão retaliar?

Serguei Lavrov: Vamos retaliar com atos concretos que dizem respeito ao desenvolvimento da nossa economia, ao desenvolvimento e ao reforço dos laços com os nossos parceiros que, ao contrário da minoria ocidental que continua a pensar de modo colonialista e neocolonialista, são capazes de buscar e chegar a acordos e promovem os seus laços económicos no interesse do seu próprio povo, a fim de elevar os padrões de vida, garantir a prosperidade e o desenvolvimento, o mais eficaz possível, dos recursos naturais no seu país. Ao mesmo tempo, criam cadeias logísticas e financeiras que, tal como todas as outras ações na esfera económica, não dependeriam daqueles que estão habituados a dirigir a economia mundial, a roubar, a matar os povos de outros países, a apoderar-se dos seus recursos naturais e riquezas e a viver à sua custa.

A continuação desta tradição está no cerne das ações empreendidas atualmente pelos norte-americanos. Isto também se verifica nos mercados mundiais, onde eles estão a eliminar os concorrentes, em particular a Rússia. Já obrigaram a Alemanha e muitos outros países europeus a recusar-se às importações de gás russo. Primeiro, os EUA obrigaram-nos a investir enormes capitais na construção de instalações de armazenamento do gás liquefeito e, em segundo lugar, obrigaram-nos a comprá-lo nos EUA, o que é muito mais caro do que o gás importado pelo gasoduto.

Os nossos gasodutos foram feitos explodir. Ninguém disse nada. Já mencionei que os ocidentais até se recusam terminantemente a realizar uma investigação transparente. E alguns países que estiveram envolvidos (incluindo a Suécia) já disseram que encerram a investigação porque não encontraram nada. Penso que isto é ridículo e vergonhoso para qualquer país. O facto óbvio é este.

Vamos fazer com que a nossa economia, os nossos laços com os nossos parceiros que vêem benefícios estratégicos no desenvolvimento desses laços, não dependam da arbitrariedade, das ordens, dos caprichos dos países que se revelaram incapazes de buscar e chegar a acordos. Estes países vêem qualquer situação no mundo exclusivamente através do prisma das eleições que se realizam ali de dois em dois anos, pelo que estão preocupados em inventar algo que possa "excitar" a sua opinião pública e mostrar a todos quão "durões" eles são.

Infelizmente, este facto deve ser tido em conta. Se e quando (como também disse o Presidente da Rússia, Vladimir Putin) eles voltarem à razão e voltarem a ter a capacidade de analisar bem a situação, as suas capacidades e as tendências operadas no mundo e compreenderem que devem falar com a Rússia, estaremos ao seu dispor. No entanto, nós ouviremos primeiro o que eles terão a oferecer-nos. Se nos apresentarem propostas que impliquem qualquer dependência dos seus caprichos e das mudanças de política que frequentemente ocorrem ali, então não precisaremos de tais contactos.

Há domínios em que poderíamos cooperar sem problemas para eventuais mudanças do outro lado.

Note-se que, há vários anos, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, apresentou, na Cimeira Rússia-ASEAN, uma iniciativa de explorar da forma mais eficiente possível e mutuamente benéfica o nosso continente euro-asiático comum no interesse de todos os países aqui localizados. Propôs denominá-la de Grande Parceria Euro-asiática. Mencionou neste contexto a Organização de Cooperação de Xangai, a União Económica Eurasiática e a ASEAN. O processo está em curso. Foram estabelecidos laços entre todas estas organizações e há perspectivas de projetos conjuntos. Sempre que falamos da necessidade de utilizar as vantagens comparativas e competitivas do nosso enorme continente comum, onde se situam os países e as estruturas que asseguram o principal crescimento da economia mundial, sublinhamos que vemos a Grande Parceria Euro-Asiática como aberta a todas as estruturas de integração situadas neste continente e a todos os países do continente sem exceção. A porta está aberta, só que os interessados devem bater à porta antes de entrar e explicar se vieram com boas intenções ou com ultimatos.

Pergunta: Julian Assange está a tentar obter o direito de contestar a sua extradição para os EUA. Por razões compreensíveis, não vemos qualquer protesto ou atenção acrescida por parte dos meios de comunicação social ou dos políticos ocidentais, embora estes defendam a liberdade de expressão e a necessidade de fazer frente ao abuso de poder, considerando-o como seu dever profissional. Poderia comentá-lo? Não só as ações dos seus colegas, mas também se considera o próprio Julian Assange uma voz moderna da consciência?

Serguei Lavrov: Já referi que o caso Assange é uma vergonha para a democracia ocidental. Os norte-americanos dizem, quando são abordados em briefings, que ele não é jornalista, mas um criminoso que violou um grande número de leis locais e aliciou militares dos EUA. Ele estava, como sabem, a levar a verdade à opinião pública mundial sobre as atividades dos serviços e militares secretos norte-americanos (isto é verdade), mas que violaram grosseiramente as leis do seu país, incluindo a Constituição dos EUA. Falando de atividades criminosas, os criminosos que praticaram essas atividades querem que os seus crimes não sejam tornados públicos.

Quanto ao facto de Julian Assange não ser jornalista. Lembro-me muito bem de como, em "tempos melhores", há alguns anos, nós  recordámos aos franceses que não ficava bem a um país que estava empenhada em promover a democracia em todas as suas formas e que, em 1990, na CSCE, impulsionara a aprovação do Documento da Reunião de Copenhaga da Conferência sobre a Dimensão Humana, em que, por insistência do Ocidente, ficou estipulado (nessa altura a URSS estava em segundo plano) que todos os membros da CSCE proporcionassem aos seus cidadãos um acesso livre à informação, cujas fontes podiam encontrar-se tanto dentro como fora do respetivo Estado. Perguntámos aos nossos queridos colegas franceses por que razão estes princípios não se aplicavam de forma alguma à RT e à Sputnik, cujos correspondentes foram proibidos de participar em briefings no Palácio do Eliseu. Disseram-nos também que eles não eram jornalistas, mas sim propagandistas. Isto aconteceu na época anterior à em que todo o mundo esperava que a Ucrânia e os seus "patrões" cumprissem os acordos de Minsk. E o que é que há a dizer agora?

Pergunta: Agora, o G20 integra dezanove países, a UE, representada também por países individualmente,  e, desde o ano passado, a União Africana, que, ao contrário da UE, não recebeu o estatuto de membro separado. Continuamos a falar do G20 e não do G21. A questão da aritmética foi discutida entre os membros do G20? Considera justo que uma união receba o estatuto de membro separado e a outra, não?

Serguei Lavrov: No que se refere à aritmética, está enganado. A União Europeia não se considera membro do G20. O grupo integra vinte países. Espero que as estruturas de integração de outros continentes sejam representadas, pelo menos seria justo, uma vez que a União Europeia e a União Africana estão incluídas. Já existe um exemplo, foi criado um precedente.

Pergunta: O senhor é muito apreciado na América Latina e recebemos muitos relatos, incluindo da Argentina, de que os argentinos lamentaram muito que o senhor não os tivesses visitado. Quão importante é a vertente latino-americana para a Rússia numa altura em que somos obrigados a reorientar as nossas relações externas? Quão forte e estável é esta vertente para a Rússia?

Serguei Lavrov: Estivemos sempre prontos a desenvolver relações com todos aqueles que demonstraram reciprocidade. Quando as relações forem favorável para ambas as partes, elas desenvolver-se-ão sem quaisquer entraves ou problemas.

A América Latina é um dos nossos maiores parceiros. O intercâmbio comercial com esta região está a aumentar muito. A atividade de investimento está a ganhar força. Os nossos fertilizantes e cereais são muito procurados ali. Os produtos pecuários e as frutas da América Latina são muito bem-vindos na Rússia.

No entanto, o nosso desejo é fazer com que as trocas diretas de bens e alimentos sejam completadas por projetos de investimento conjuntos. Estes últimos estão a ser elaborados. Temos muitos deles nos  sectores de aviões de produção soviética e russa, da sua manutenção e da formação de pessoal para os serviços de resgate. Um centro regional deste tipo está a funcionar em Cuba. Temos muitos planos que estão a ser implementados.

Quanto a lamentar o facto de eu não ter vindo à Argentina, somos pessoas educadas.

The Ministry of Foreign Affairs of the Russian Federation
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